A SAGA DO TENENTE DANILO NA ITÁLIA!

Continuação da postagem de 10 de dezembro de 2023.

SEMPRE pela estrada principal, seguiu caminhando em direção ao sul. Chegou a Padova, uma cidade importante, pois era entroncamento ferroviário e para onde convergiam as estradas de rodagem a partir de Vicenza, Mestre e Veneza. O certo era evitá-la, contornando-a – era o que o Inglês recomendava. Mas Danilo não era da mesma opinião do militar britânico; atravessou a cidade de ponta a ponta sem conhecer as ruas, seguindo a direção que julgou ser a que o conduziria à saída de Padova, direcionando ao rio Pó. Encontrou muitos militares alemães em seu caminho, porém não se preocupou com eles, e eles tampouco com a sua figura, já que havia uma profusão de pessoas esquisitas vagando pelas cidades italianas. O Índio considerou-se um destes. A essa altura, já se considerava seguro do seu papel de um camponês italiano. Sbagliato, ruvinato, destruto, mallato e tantos outros adjetivos que usava ao enrolar a língua ferida, sempre inventando uma história a fim de conseguir comida e lugar para passar a noite.

Com o irmão, o major-aviador Nero Moura

Atravessou sem atropelos Padova. Veio então descendo rumo ao sul, sempre pela estrada principal. Estava sujo, mal alimentado, barbado e com a língua inchada ocupando grande volume da boca. Danilo convencia mesmo com sua aparência de um pobre italiano, que estava abandonando sua cidade natal em busca de melhores condições ou – como por várias vezes teve que mentir – à procura de parentes que dizia possuir e que moravam em cidades mais ao sul, sempre ao sul do local em que ele se encontrava. Qualquer um acreditava nele, pois as estradas estavam povoadas desses pobres-diabos que, não tendo mais como servir aos alemães nas fábricas ou em outros trabalhos pesados, voltavam para as suas casas, algumas as encontrando, mas muitas vezes constatando terem sido bombardeadas ou ocupadas. O êxodo era em todas as direções, e um deles era o Gaúcho caminhando em direção à sua base militar para encontrar os seus iguais e… de olho no salário que sairia por volta do dia 28. Liras e as italianas: razões para andar mais depressa.

Caminhando sempre, enfrentando situações delicadas, em companhia dos estropiados que vagavam pelas estradas e dormindo em estábulos fedorentos. Nada disso aborrecia Danilo, pois o máximo que podia lhe acontecer era ficar um pouco mais sujo, e seu cheiro há muito que não era de o de rosas. Deixava para trás Monsélice, Stanghella, Rovigo, Arqua e Polesella. Rovigo, por sinal, era uma cidade fortemente defendida e vigiada, pois lá existia uma fábrica de um gás qualquer, que era utilizado como combustível em motores a explosão, portanto, infestada de militares germânicos, mas nada disso causou medo ao nosso herói. Finalmente, chegou ao rio Pó.

O Pó, segundo o próprio Danilo, constituiu para ele o primeiro problema real, que lhe pareceu insolúvel. Com o inverno rigoroso, o rio, ainda que não congelado, tinha em suas margens uma crosta fina de gelo, indício seguro da baixíssima temperatura das águas. As pontes havia tempo inexistentes, pois foram bombardeadas ou danificadas. Ainda que íntegras, as pontes de nada serviriam ao Gaúcho, pois estariam controladas por sentinelas, que certamente verificariam a documentação de identidade, papel que ele não possuía. Alemães e italianos atravessavam o rio a bordo de balsas, devendo identificar-se ao embarcarem. E agora, Danilo? Tal era o problema. Parecia-lhe inútil todo o esforço, toda a caminhada até ali. Entre ele e a base de Pisa, onde estava baseado o Primeiro Grupo de Caça, estava apenas o rio e alguns montes, os Apeninos. Sentia-se perdido, mas, confiando sempre em sua estrela, não se desesperou – certamente haveria uma saída. Subiu no barranco que margeava o rio e ficou a visualizar o movimento e a imaginar as possíveis soluções para atravessá-lo. Inteirou-se das balsas e das sentinelas. Sentou-se para descansar o joelho, bastante prejudicado pela longa marcha. Uma das sentinelas o observava, dizendo-lhe algo em alemão. Não respondeu por não haver entendido o idioma, sobretudo por precaução. O soldado não deu importância, considerando o Gaúcho mais um italiano desocupado, como tantos que percorriam as estradas. Seria complicado se o alemão lhe pedisse documentos. Vendo-se percebido, Danilo considerou melhor decisão descer o barranco e voltar à estrada que margeava o rio, como antes. Da estrada, buscou um lugar afastado no campo, a fim de descansar e pensar no que fazer. Deitou-se no capim.

Não era muito de pensar e sim de agir, mas, dessa vez, pensou longamente na solução. Danilo lembrava-se da família e da vida de campo, pois seu pai era agricultor em Cachoeira do Sul, mãe, irmãos e irmãs. Cavalos… era isso. Compraria um cavalo e atravessaria o rio no lombo do animal. Animou-se, mas logo desanimou novamente. Teria de ser à noite, mas e depois. A água estava bastante fria e teria que esperar a roupa secar, sendo abordado, teria de dar explicações e ele não as tinha. Não, não dava para atravessar o Pó daquela maneira gaúcha.

O dia já estava adiantado e sentiu fome. Seguindo a estrada, chegou à primeira casa de camponeses encontrada e pediu água e comida, contando o enredo de sempre, num italiano atrapalhado pela língua ferida. Como há gente boa em toda a parte, e, com boa vontade, aquela pobre gente procurava compreender o que ele dizia, levando-se em conta os numerosos dialetos existentes, muitos desconhecidos por parte dos nativos. Por essa razão ou mesmo por caridade, em razão do lastimável estado de Danilo, aceitavam a história sem perguntas embaraçosas. Para sobreviver, ele adotava o seguinte método: primeiro passo era escolher o italiano que não parecesse fascista ou germânico – um critério aleatório e só a boa sorte ou as orações de dona Maria Emília, sua mãe, poderia explicar não ter sido denunciado e preso. “Buona sera, paisá!”. Aguardava a resposta do italiano – esperava que fosse italiano não fascista. Sendo bem acolhido, entrava com o enredo de sempre. Se não, prosseguia a caminhada sem aparentar pressa, para não levantar suspeitas. Na melhor hipótese, continuava a conversa: “Per favore, um bicchiere d’acqua.”. Raramente eles usavam esse líquido, a menos que fosse para banhar-se. Ofereciam-lhe um copo de vinho, que, com o estômago vazio, lhe fazia exagerar no papel de italiano. Uma das vezes que isso aconteceu foi quando, depois de exagerar no vinho, decidiu fazer a barba. Ao entrar na barbearia da vila, deparou-se com alguns oficiais subalternos alemães, que também aguardavam a vez de ser barbeados. Esperou a sua vez, fez a barba. Mais tarde, recobrando o pouco juízo que tinha, assustou-se com o que fizera. Nas vezes em que era bem recebido, depois do vinho e do pouso, pedia um pouco de pão. Danilo contava que sua casa havia sido bombardeada pelos ingleses – ingleses, não estadunidenses, pois para aquela gente humilde eram ingleses todos os aviões ou máquinas que bombardeassem. Ignoravam por completo a existência de outras forças militares aliadas na Itália, pois a propaganda inglesa era intensa, sem contar o formidável serviço secreto britânico por trás das linhas militares de Hitler. Ele era um pobre-diabo arruinado, perdido naquele caos provocado pela guerra; mostrava então a língua inchada, sabendo que isso comoveria aqueles bondosos camponeses – o que de fato ocorria. Sobre os documentos, que não possuía, haviam sido perdidos no incêndio da casa, e agora estava seguindo para Bolonha, a fim de pedir ajuda dos parentes que lá residiam. Na cidade seguinte, os parentes de Danilo moravam noutra cidade sempre mais ao sul. Concluindo a história, em geral tinha garantida a pousada para a noite. Assim, mais uma vez nessa manhã, às margens do rio Pó, conseguiu o almoço e bebeu do vinho de fabricação doméstica, mercê da hospitalidade campesina. Confortado com a refeição, prosseguiu caminho.

Continua…

L.s.N.S.J.C.!

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