Continuação da postagem de 05dez2022.
ALGUNS oficiais da FAB estavam lá e três aviões militares. Ia conosco a viúva do tenente Lott, acompanhada da senhora de outro oficial da FAB. Caminhavam ao lado de um tenente. Ouvi quando ele dizia: “isto é uma revolução”. Elas, então, deram graças a Deus porque, afinal de contas, o avião estava bom. Fomos até o bar do aeroporto tomar café. A viúva Lott mostrou-se nervosíssima. Tinha vindo buscar o corpo do marido, sofrera um desastre em Brasília e, agora, era detida em Aragarças, quando regressava a Belém, onde a esperavam os filhos pequenos! Fiquei boquiaberta, quando me disseram que se tratava de uma revolução em todo o país. Comentei: “Ontem, no Rio, estava tudo tão calmo!” Os jornalistas tentavam entrevistar os oficiais, inclusive o tenente-coronel Haroldo Velloso, que lá se encontrava. Alguns já tremiam. Senhoras choravam. […] O sargento radiotelegrafista de Aragarças, sentado tranquilamente entre os passageiros, disse-nos que simplesmente cumpria ordens, não sabia de nada e só tinha a certeza de que “a bomba acabaria estourando nas mãos deles, que eram subordinados”. Habitantes da cidade mantinham-se a distância. Pensavam que o nosso avião trazia contrabando. […]
No entanto, aqueles homens rudes e humildes não eram treinados para prender gente, tampouco para combater e matar pessoas. Estavam lá porque foram obrigados – a maioria – e outros, iludidos pela crença de que estavam fazendo a coisa certa. Se os militares estavam dizendo é porque era verdade; se mandavam, obedecia-se.

Um deles – não se sabe se funcionário contratado da FAB, da FBC ou
trabalhador do Departamento de Estradas de Rodagem – estava agora de
guarda na cabeceira da ponte sobre o rio Araguaia, com ordens severas
de não permitir a passagem de ninguém. Campanella, que precisava ir a Barra do Garças, calculou que uma simples explicação ao homem não
seria suficiente para que ele o permitisse atravessar. Bem provável que uma gratificação em dinheiro viesse a fazê-lo mudar de ideia, ficando, repentinamente, mais compreensivo. Assim, junto à carteira de jornalista dobrou discretamente uma nota de quinhentos cruzeiros. O documento de nada servia, já que – calculava o jornalista – talvez o homem nem soubesse ler. Mas, como todo analfabeto sabe reconhecer dinheiro, o homem, pela cara rechonchuda de Dom João VI na cédula, via ali o ordenado de dez dias ou mais de trabalho. O jornalista molhou o pé da planta também na extremidade da outra ponte, no rio das Garças, no lado de Mato Grosso, onde havia outro homem armado.
Doía na alma mineira de Campanella ver sua porta-cédula desfalcada
daquelas duas notas, mas não enxergou outro remédio. Precisava passar
três telegramas. Teria então feito o seu dever de brasileiro, sobretudo de
mineiro, e ainda – e isso era o mais importante para ele – a notícia lhe
daria a notoriedade profissional que raros jornalistas conseguiam na carreira. Estava em jogo o governo de JK – enxergava. Chegando lá, explicando a sua condição de jornalista, conseguiu do funcionário que transmitisse uma mensagem para Joel Silveira, editor-chefe da revista O Mundo Ilustrado.
“Telegramas enviados pelo jornalista Campanella Netto denunciaram que Aragarças é o esconderijo dos revoltosos…”
Era Heron Domingues, com sua voz marcante, anunciando em primeira mão pelo afamado noticioso radiofônico Repórter Esso. A segunda
mensagem foi direcionada ao presidente do Senado Federal e uma terceira para o conterrâneo ministro da Guerra, o marechal Henrique Lott, mineiro de Sítio (atual Antônio Carlos).

Desfalcou sua porta-cédula em um mil cruzeiros, mas não deixaria barato para aqueles caras, que, se houvessem raciocinado com a mineirice daquele jornalista intrometido, teriam mandado reforçar a vigilância sobre ele, não dando chance a Campanella Netto de fazer o estrago que fez.
Não demorariam a chegar os paraquedistas comandados pelo major
França. Depois da notícia do rádio, Campanella tratou de esconder-se
entre as árvores com medo dos insurgentes.

[…]
Livres do controle dos revoltosos e ávidos por passar notícias a seus familiares, a fim de tranquilizá-los, os passageiros dirigiram-se ao escritório local da FBC e encontraram o rádio já restabelecido. Com alívio, souberam ali que o brigadeiro Teixeira, comandante da 3ª Zona, estava mandando dois C-47. Esses aviões, o C-47 2009 e o 2021, chegaram por volta das nove horas. Traziam os paraquedistas, que imediatamente desceram e ganharam o mato camuflando-se, já preparados para o combate. Por enquanto, não atuaram porque os revoltosos – tudo indicava – haviam fugido. Além do major França, as tripulações eram compostas do capitão Campos Sobrinho e dos tenentes Mundim e Kruel, da Base Aérea do Galeão e da Base Aérea dos Afonsos. Antes, o destacamento já se encontrava sob comando do tenente Edsen, que mandou desobstruir a pista.
VALENTIM, Antonio. O País dos Militares e dos Bacharéis, pág. 310 a 314. Rio de Janeiro: Autografia, 2021.
L.s.N.S.J.C.!
Continua…
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