QUANDO SE fala em Manoel Pinto da Silva, o nome do magnata português que fez fortuna em território paraense, imediatamente se remete à sua obra mais conhecida e visível: o imponente e histórico edifício Manoel Pinto da Silva. O prédio foi construído na década de 1950 e, durante anos, foi a edificação mais elevada de toda a Amazônia. Morar no prédio mais alto do Norte tornava-se o grande sonho de consumo das elites paraenses de então, um sinal de inconteste prestígio.

Manoel ou Manuel Pinto da Silva? A grafia pouco importa.
Na verdade, creio eu que pouco restou registrado sobre sua passagem pelo planeta Terra. Nenhum livro, nenhuma página na Wikipédia, nada. Pouco ou nada de interessante ou edificante (perdôe-me o trocadilho), mui provável, tenha deixado como legado o magnata lusitano para que servisse de ensinamento, de proveitoso, aos que ficaram. Prova de sua pequena importância, ao contrário do que ele próprio se considerava.
Mas que essa escassez de notícia sobre Manoel Pinto da Silva não seja razão para o nome do português ficar restrito apenas ao famoso edifício que construiu e que, por vaidade, deu seu próprio nome. Que fique registrado então seu nome, porém não em função de sua importância para a humanidade. Ao contrário, consta que o portuga foi um tirano em vida.
Morando na zona rural ainda garoto, não conhecia o prédio histórico batizado em homenagem a seu construtor vaidoso; apenas ouvia falar. Logo cedo, porém, travei conhecimento do nome de Manoel Pinto por meio de meu saudoso pai, um outro Manoel, o Valentim Moreira, que trabalhava como operário – um simples peão – num dos empreendimentos do poderoso empresário português, uma de suas olarias. Lá meu pai e dezenas (centenas, provavelmente) de trabalhadores, moldando o barro, fabricavam tijolos aos milheiros para a construção do gigantesco edifício, e também, com o excedente, para compor as casas e prédios das cidades do estado, ajudando o luso a ficar cada vez mais rico, por conseguinte.
O pai falava bastante sobre o xará milionário, que teria chegado pobre ao Brasil aportando em Belém duas décadas antes. Devia ser jovem ainda e o patriarca era o senhor Camilo Pinto da Silva, pai de Manuel Pinto.
Acidentalmente um dia ouvi, entre as conversas dos adultos, minha mãe, dona Maria Ferreira, falando sobre alguém que, de pobre, teria enriquecido.
“Difícil ficar rico se nunca explorou ninguém”.
Nunca me esqueci daquele comentário. Riqueza – pobreza – exploração. A partir de então, carrego comigo uma indagação: Seria possível um empresário, que não tendo recebido polpuda herança, participado de algum grande negócio com o governo ou ter recebido vultoso prêmio de loteria, ficar muito rico sem ter explorado seus empregados?

Voltando ao portuga.
Como dizia antes, ouvi da boca de meu pai muito sobre o megalomaníaco lusitano. Entre outras histórias, a de que o portuga teria lesado seu próprio pai, o velho Camilo Pinto da Silva, analfabeto, tendo transferido significativa parcela do patrimônio paterno para seu próprio nome.
Pinto teria sido um dos primeiros empresários de ônibus na cidade de Belém, além de ter também fornecido material para a construção do aeroporto de Val-de-Cães.
Um patrício seu, estando em situação financeira difícil, foi-lhe bater às portas esperançoso. Manoel Pinto, meio que indiferente à presença do conterrâneo, admitiu o compatriota semianalfabeto em uma de suas empresas. Ao contrário do que se esperava, empregou-o num trabalho braçal em vez designá-lo para um cargo de relevância, como desejava o português pobre. Era português, era patrício, mas era pobre, não fazendo jus, portanto, a tratamento melhor. E lá foi o conterrâneo para o rabo da enxada, de nada adiantando a sua condição de conterrâneo do patrão.
Outra.
Certa ocasião, cavalgando por numa estrada vicinal, numa das inspeções que pessoalmente se encarregava de fazer, Manoel Pinto avista um pobre homem que carregava um feixe de lenha nos ombros. Era seu empregado, por coincidência, mas é claro que o patrão não o reconheceria entre centenas de outros que serviam sob suas ordens.
“Onde pegaste essa lenha, ó rapaz?”
E o homem:
“Peguei aí… na sua mata, seu Manoel.”, responde hesitante, trêmulo de medo, apontando com a cabeça a floresta em redor, ao reconhecer o arrogante patrão.
O ricaço mandou imediatamente o caboclo devolver a lenha onde tinha pego. De nada faria diferença para o rico português a lenha colhida pelo operário para queimar no rudimentar fogão. Tomou tal atitude imperativa e antipática com o fito de meramente exercer poder. Era ele o dono, era ele quem mandava e pronto.
Sim, hoje vejo que, por sentirem na própria pele o problema social, a dona Maria e o seu Manoel, desde aquele tempo, possuíam noção de como alguns prosperam materialmente. Muitas vezes se valem do suor alheio, pagando salário vil. Se não querem, tem quem queira. Simples assim.
Mas um belo dia o ‘seu’ Manoel Valentim Moreira, sendo um homem que lia tudo o que viesse às mãos, ao comprar sabão em pedra, desembalando-o, leu no jornal que servia de embrulho a seguinte manchete:
“Falece o piedoso Manoel Pinto da Silva”
Cumpria assim o poderoso português nosso destino comum. Com certeza não fez falta alguma. Que a terra lhe tenha sido leve, como dizia Machado de Assis.
E foram eles – minha mãe e meu pai – os primeiros mestres a me ensinar que o mundo se divide em dois grupos:
o dos que mandam e o dos que obedecem; o dos que usufruem e o dos que apenas sobrevivem; o dos que governam e o dos que pagam imposto.
Mas ao final, todos nós – pobres e ricos – temos o mesmo destino.
L.s.N.S.J.C.!
(Reeditado da postagem de 14abr.2019)
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