SE O DOENTE QUER CANJA, CANJA PRO DOENTE!

DURANTE a carreira militar sempre tive que provar a cada dia a minha competência, e, por vezes, até a honestidade.

Ora, na noite de véspera da minha partida para Guaratinguetá, lá nos primeiros dias de agosto de 1977, meu pai me chama em particular e dá-me o seguinte conselho: “Antonio, seja sempre honesto”.

Uma tarde – eu lembro bem – era uma tarde amazônica. Trinta anos passados da palestra com meu pai, estava eu ali no auditório Sotomano, Base Aérea de Belém, em mais uma apresentação mensal. Falava sobre a área de Recursos Humanos, de cujo cargo eu era o titular então. Cada chefe de setor discorria acerca dos principais feitos ou necessidades de sua área e ao final o comandante fechava a reunião com a sua fala – era assim que em geral funcionava.

Eu estava falavando quando por três vezes fui aparteado. Era o Calixto, capitão-especialista-em-armamento, que fazia perguntas. Primeiro, sobre a escala de serviço; depois sobre o plano de férias e, por terceiro, sobre a avaliação anual. Respondi com desenvoltura os três questionamentos.

Na outra semana, ocorreu de forma semelhante, com o mesmo oficial me inquirindo. Estaria testando a minha capacidade? Tais atitudes, somadas com outras, me deram a certeza de que o dito colega, que, segundo ele próprio, já havia exercido o mesmo cargo noutra unidade, realmente me considerava – a exemplo de tantos outros que eu mesmo vi na FAB – reunir talentos para o exercício daquele cargo. Enganava-se, pois sempre me fingi de morto para pegar o coveiro.

Percebi um certo ciúme ou incômodo da parte dele em relação à minha pessoa.

O cargo de chefe de Recursos Humanos nas unidades da FAB requer de seu titular que, com alguma frequência, vá à frente e exponha para a tropa os assuntos que, afinal, são de interesses de todos. Resumindo: é um cargo que dá visibilidade, destaque, a quem o exerce, por essa razão não permite a presença de pessoas incompetentes no exercício da função. Incompetência certamente nunca foi o meu caso, porque – modéstia à parte – a experiência de anos e anos me dava autoridade para discorrer sobre os mais variados assuntos da área, por isso eu falava com propriedade. Bem diferentes eram tantos outros com quem no passado travei conhecimento e que, em meu trabalho, se apoiavam.

Resumindo: ciúme de homem. Bem provável que pensasse eu não merecer ocupar a posição de relevância em que então me encontrava.

Como o meu tempo de serviço já me autorizava a solicitar a transferência para a reserva remunerada, situação equivalente no meio civil a aposentadoria, dei entrada de requerimento ainda naquele mês. Mais um mês – acho que nem isso – estava em condições de me desligar da ativa. Precisava indicar um substituto – assim o comandante me solicitou.

De forma contrária a que se podia esperar, indiquei ao comandante o oficial que costumava me questionar, visando pôr-me em dificuldades. Digo assim porque o mais esperado seria não o recomendar, visando a não o premiá-lo.

Noutra ocasião, percebi o comandante olhando para trás para ver quem era o oficial que, mais uma vez, me indagava: era o Calixto. E foi exatamente para ele que passei o cargo. Adaptando o velho jargão de Paulo Ronaldo e José Guilherme, do velho rádio de meu pai: “Se o enfermo quer canja, canja para o enfermo”.

L.s.N.S.J.C.!

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