Continuação da postagem de 3dez.2022.
NA MANHÃ de 3 de dezembro de 1959, um enorme e barulhento avião de quatro hélices, aproximando-se da cabeceira da pista de grama do modesto aeroporto de Aragarças, chamava de repente a atenção da população local.

Não era coisa normal.
O maior avião que Aragarças recebia rotineiramente era o Douglas da FAB, o C-47 que fazia a rota do Correio Aéreo Nacional. Entre assustada e curiosa, Dona Acendina correu para fora da casa para ver a aterrissagem de um Constellation, um longo avião de passageiros que tinha o formato de golfinho. Algum tempo antes, três aviões C-47 da FAB haviam pousado no pequeno aeroporto da cidade, fato que não provocou curiosidade aos moradores. Esse agora, pelas cores e letreiros, não pertencia à FAB. Não existindo em Aragarças escada apropriada para o avião, um caminhão encostou permitindo o desembarque improvisado de tripulantes e
passageiros.

Algum tempo antes.
Campanella Netto atrasava-se um pouco. Ficou a conversar com o
comissário Brazão, que lhe revelava apavorado que “um major da FAB
obrigou com uma arma o comandante a mudar a rota”. Campanella, que
havia deixado as duas câmeras fotográficas a bordo, voltou correndo para
apanhá-las. Percebeu aí um furo de reportagem de proporções gigantescas. Foi o último passageiro a desembarcar.
Desembarcados os passageiros do Constellation, foram todos reunidos na acanhada estação de passageiros. Já se encontravam lá os oito
rebeldes que haviam roubado os três C-47 do Galeão – Burnier, Velloso,
Lebre, Baratta, Gerseh, Mendes e Tarcísio, e o civil Roberto Rocha. O
grupo de Belo Horizonte, que, não conseguindo furtar o T-6 da FAB,
acabou decolando com um Beechcraft de uma empresa mineradora –
Mascarenhas, Leuzinger e Moraes Netto – só conseguiram chegar ao
lugarejo perto das onze horas. Na pressa, não perceberam que havia
pouco combustível. Com isso, tiveram que fazer uma escala em Pirapora, Minas Gerais, onde obrigaram o sargento encarregado a abastecer o
avião civil.
Os três C-47, furtados no Galeão, chegaram a Aragarças por volta das
sete da manhã. Pouco tempo depois, o C-45 2871, um Beechcraft militar,
desavisado, pousava em Aragarças para reabastecer, procedente de Campo Grande e destino Belém. O piloto era o tenente Edsen Castello Branco, e o tenente Quínn, do EB, como passageiro, que não concordaram em aderir à tal “revolução” e, por isso, receberam voz de prisão sendo a aeronave incorporada ao patrimônio dos rebeldes. A essa altura detinham o controle de seis aviões: os três C-47 do Galeão (2025, 2060 e 2073), o Beechcraft civil furtado em Belo Horizonte, o quadrimotor PP-PCR Constellation da Panair e este último avião, o C-45 2871. Ainda de manhã, Burnier e Mascarenhas, depois de reunidos para tomada de ações imediatas, foram de caminhão para Xavantina, Mato Grosso.
Chegando lá, tomaram em nome da “revolução” a cidade e o destacamento local conseguindo, entre a guarnição militar e funcionários, mais “adesões”, além de, naturalmente, combustível e outros materiais julgados úteis. Não tiveram tempo ou esqueceram de Barra do Garças, Mato Grosso.
À tarde regressaram ao QG da “revolução”, no aeroporto de Aragarças.
Determinaram a praças e funcionários da FBC que interditassem a pista com tonéis de gasolina vazios e outros objetos. Já experiente em situações como essa, Velloso reuniu passageiros e tripulação e anunciou curto e grosso em voz alta: “Estamos na ‘revolução’ e os senhores estão presos. Serão encaminhados ao hotel local”.
Por ser uma figura já conhecida da imprensa, Campanella Netto, equivocadamente, atribuía a Velloso a liderança da rebelião, e não a Burnier, que simultaneamente coordenava outras atividades. Os populares de Aragarças, até hoje, comentam sobre o episódio como a “Revolta do Veloso”. Sob ordens, um sargento tomou a identidade dos passageiros e tripulantes. No Grande Hotel, ficaram as mulheres numa ala e os homens, noutra.

Na Revolta de Jacareacanga, a única vítima foi Cazuza, que morreu sem
saber por que lutava. Agora, nesta, a única vítima já chegou morta.
Única?
“Eu quero que vocês e essa droga de ‘revolução’ vão pro raio que os
parta!”
Diante da perplexidade inicial de Velloso, alguém lhe soprava no ouvido. O autor do impropério era o senhor Fortunato Farry, o indignado viúvo da senhora Regina Coeli Farry, cujo caixão estava alojado no bagageiro do Constellation, para ser sepultado em Belém, onde residiam familiares. O coitado – não sem motivos – encontrava-se abaladíssimo, e, entre lágrimas e impropérios, não se conformava com o tratamento indigno que aqueles homens, em nome de uma tal “revolução”, dispensavam à defunta e a si próprio, sem falar do largo dano emocional e moral que aquela ação irresponsável causava aos parentes e amigos que, angustiadíssimos, aguardavam o esquife na capital paraense. Regina nem depois de
morta podia descansar em paz?! O corpo, obviamente, estava conservado,
mas a funerária do Rio garantia o serviço por apenas 48 horas. E agora,
o que fazer? Na pequena Aragarças não havia frigorífico adequado para
conservação de corpos.
VALENTIM, Antonio. O País dos Militares e dos Bacharéis, pág. 303 a 305. Rio de Janeiro: Autografia, 2021.
L.s.N.S.J.C.!
Continua…
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