OLÁ, amigos (as)!
Vou inaugurar a coluna com a indicação de um livro que acabou de sair do forno. Trata-se de “O país dos Militares e dos Bacharéis” do escritor e amigo Antônio Valentim. A obra é uma releitura irreverente e histórica, como define o próprio autor, de como as mazelas da sociedade brasileira cinquentista refletiam-se nas casernas, no mergulho que o mesmo faz nos mares pouco navegados da hierarquia, disciplina e autoridade, que tive a honra e o prazer de prefaciar.
Nos idos da segunda década desse século, mais ou menos ali entre 2010 e 2012, eu interagia intensamente no blog do jornalista paraense e comentarista esportivo, o grande baionense Gerson Nogueira.
Era o tempo de ápice dos blogs!

Esse do amigo jornalista reunia futebol, política e conjuntura nacional, sempre tabelando (usando aqui a linguagem da bola) com as temáticas progressistas e de esquerda, congregando usuais comentadores, que o Gerson chamava de “baluartes”. Entre esses, conheci Antonio Valentim.
Quando o assunto era o nosso glorioso Clube do Remo, era comum o amigo Valentim comentar, com estilo, requinte e excelente memória.
Passei a admirar este amigo!
Mais ainda, ao saber que era reservista da Aeronáutica, Força Militar à qual sou lotado como servidor civil, na qualidade de professor de História de uma de suas mais tradicionais escolas, a “Escola Tenente Rêgo Barros” – ETRB, atualmente, CTRB, “Colégio Tenente Rego Barros”.
Aos poucos, Valentim revelou-se mais que um comentador de futebol.
Percebi nele um autêntico contador de histórias e um ser social incrível, com capacidade enorme de abraçar causas sociais, dotado de elevada consciência política, algo raro em se tratando de um militar, em especial, dessa atual geração. Um espírito sensível, humanista, democrata e idealista por uma sociedade justa e sem desigualdades.
Deu-me a honra, esse precioso amigo, de prefaciar sua obra.
“O país dos militares e dos bacharéis; uma releitura da sociedade brasileira da década de 1950 e seus aspectos históricos, políticos e sociológicos”, é o que se propõe a ser: uma releitura, sem estigmas, das representações que fazemos da disciplina, hierarquia e autoridade na caserna, a partir de seu “lugar de fala”.
Sem melindres ou controle de farda, Valentim nos envia aos escaninhos da memória, lugar social e atemporal, perfazendo as tortuosas trilhas das relações entre as forças militares e a sociedade civil.
Em meio à memória, pesquisas, fundamentos, Valentim descortina bastidores da intricada sobreposição das Forças Armadas na sociedade política, na qual sujeitos das baionetas incursionam na gramática do poder e das leis. Nesse contexto, parecem estar enraizadas as velhas fantasmagorias do Estado de Terror e da história do medo na sociedade civil brasileira.
Um capítulo especial, nesse tecido da memória, está reservado à Revolta de Jacareacanga, historicamente classificada como tentativa de golpe frustrada, executada pelos militares, ao governo de Juscelino Kubitschek. Duas semanas após a posse de JK, a 11 de fevereiro de 1956, ocorreu a Revolta de Jacareacanga, no Pará, liderada pelo major-aviador Haroldo Veloso e pelo capitão-aviador José Chaves Lameirão. Acusavam o presidente de supostas associações com grupos financeiros internacionais para a entrega de petróleo e minerais estratégicos, e de infiltração comunista nos postos militares de alto-comando.
Em 3 de dezembro de 1959, em Aragarças, interior de Goiás, eclodia uma nova rebelião, com a participação de dez oficiais da Aeronáutica, três do Exército e alguns civis mais radicais ligados às ideias do político Carlos Lacerda.

Os rebeldes denunciavam “a conspiração comunista em marcha”, que seria inspirada pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Iniciou-se com o sequestro do primeiro avião brasileiro, do modelo “Constellation” da empresa Panair. Em 36 horas, o movimento foi debelado através da conciliação e anistia aos rebeldes.
As duas revoltas têm entre si, pontos de conexões anticomunistas e embrionárias aos ideais da futura “Redentora de 1964”. Com extrema maestria, Valentim expõe os meandros de Jacareacanga, assim como sua conexão com Aragarças, em torno de fatos e histórias pouco contadas pela historiografia, inclusive a militar.
Do ponto de vista do olhar sociológico e histórico, nada escapa ao autor: racismo, divisão de classes, preconceitos, arbítrios, todas as mazelas sociais oriundas da estrutura capitalista, estão nesse livro.
O objetivo central reside em demonstrar o funcionamento da máquina de representações utilizada pelas Forças Armadas, para consolidar a relação entre o poder militar e o Estado, ainda que, em várias passagens.
Valentim não se intimida em acionar o chiste e bem pontuado “baixo calão” apropriadamente usado, diga-se de passagem.
Sem a pretensão da escrita histórica, como bem afirma o autor, “A História – a real e não a escrita – não se comporta feito uma ciência exata, como a Física e a Matemática. Ela é humana, sujeita às inúmeras instabilidades humanas, por isso não é insípida. Os atores não são feitos de gelo ou de metal. Os episódios históricos são frutos de interesses humanos”.
Nessa rememoração, a narrativa de Valentim articula, como diria Paul Ricoeur, três sujeitos de atribuição da lembrança e da memória: o “eu” (autor) o “coletivo” (as FFAA) e os “próximos” (sociedade). Com isso, descortinam-se mitos, entre os quais, a separação entre “militarismo” e “sociedade”.
A vida nas casernas se alimenta na sociedade e nela retroage. Muito mais do que se imagina, os fatos, segundo o autor, em sua conclusão, são provocados e “pessoas – gente de carne e osso – são induzidas à ação, de forma que os acontecimentos são processados de tal maneira que acabam passando a ideia de que o produto histórico surgiu por mera obra do destino. Estão aí para legitimá-los a mídia, o sistema judiciário e outros controles ideológicos do Estado”.
No intuito de tecermos juntos os fios do tapete que ornamenta os quartéis, o autor nos convida a entrar nas salas, alojamentos e ranchos, dos Comandos, Comandantes e Comandados.
Vale à pena entrar.
Sigamos, portanto, nosso baluarte!
Serviço:
O livro O País dos Militares e dos Bacharéis está à venda na Livraria Confraria do Livro, Cipriano Santos, 211 em Canudos, quase de canto com a Nina Ribeiro, duas ruas após o Terminal Rodoviário de Belém. Você também pode comprar pela internet, no seguinte endereço:
http://www.autografia.com.br/produto/o-pais-dos-militares-e-dos-bachareis/
Em Dois Vizinhos – PR: Livraria Copo-de-Leite.
Ou mesmo com o autor.
*Cássio de Andrade possui graduação em Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Pará (1990) e Mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará (2006). Foi Doutorando em Sociologia pelo PPGCS/CFCH/UFPA. Atualmente é professor do ensino médio da Escola de Ensino Fundamental e Médio Tenente Rego Barros. É também pesquisador associado da Universidade do Estado do Pará, professor da Secretaria Executiva de Educação e professor da Secretaria Municipal de Educação de Belém.
(Diógenes Brandão, 10jun2021)
L.s.N.S.J.C.!
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