Tenho a honra de destacar aqui neste espaço eletrônico o depoimento emocionante do mestre CÁSSIO DE ANDRADE, professor de História, originalmente postado no Facebook
POR MOTIVO de saúde, não fui lotado esse ano em sala de aula. Desde que ingressei na ETRB em 1993, como substituto e efetivado por concurso em 1996.

Dediquei 25 anos ao terceiro ano, somente interrompidos no doutorado, ensinando e preparando jovens para o ensino superior, antes e após o ENEM nesta instituição. Passaram por mim os que se tornaram empresários, dirigentes de futebol, atletas, militares, jornalistas, professores, médicos, vereadores e até governadores. Anos de trabalho intenso, até o “core” dar sinais de alerta. Ainda sim, iria este ano, tentar voltar ao meu altar sagrado na sala de aula.
Vendo, no entanto, os rumos impostos ao ensino básico pela atual política do MEC, acabei negociando minha lotação, em comum acordo com a direção, para, além de revisões de provas, coordenar as ações do Laboratório de Ciências Humanas da instituição. Vendo e ouvindo as ignomínias e sandices do titular do MEC e do novo presidente do INEP quanto ao futuro do ENEM, convenci-me do acerto da decisão de sair de sala de aula.
Não tenho mais ânimo a ensinar História neste país. Não me sinto à vontade de construir conhecimentos onde boçais e estúpidos tentam impor suas vontades e ideologias, na perspectiva desse tal espírito do “novo governo” que o presidente do INEP tenta enquadrar o conteúdo do ENEM. Não me sinto mais à vontade de debater em sala um conteúdo crítico que problematiza também – e não somente – temáticas transversais como machismo, patriarcado, intolerância, homofobia, feminismo, violência, sem ser acusado de doutrinador ou marxista cultural.
Nunca escondi minha formação teórica e minhas convicções, mas nunca transformei minha sala de aula em púlpito ideológico. Sempre combati o pensamento único com meus alunos e minhas alunas. Não posso, no entanto, ensinar um conhecimento asséptico. Busquei histórica e fundamentadamente a crítica ao nazismo e ao stalinismo, nas aulas de Historia contemporânea. Defenderei sempre a liberdade e a ética democrática.

Grato, meninos (as)!
A que nível chegamos!; a que ponto chegaremos?
Sempre costumo dizer nas conversas entre amigos que o mundo moderno depende basicamente de dois profissionais; um, habitante da zona rural e o outro, predominantemente citadino. São eles: o agricultor e o professor.
No primeiro caso, refiro-me fundamentalmente ao colono humilde, o homem do campo simples, que com sua família, leva vida árdua, labutando diariamente de sol a sol para pôr comida na mesa de todos nós, que vivemos nas cidades. Se o colono não roça, a cidade não almoça; se o agricultor não planta, a gente da cidade não janta.

No segundo caso, trata-se do homem e da mulher (e estas são a maioria) profissionais formadores das demais profissões, sem os quais o mundo não teria chegado ao estado tecnológico atual, ao mesmo tempo em que formam cidadãos para o futuro de uma sociedade, levando conhecimento a crianças, jovens e adultos, além de fomentar o pensamento crítico-social.
A provisão e a instrução, o alimento e o saber, ambos pouco reconhecidos. Pior, progressivamente depauperados, rebaixados a inimigos da nação brasileira.
In casu, o emocionante depoimento e desabafo do professor Cássio de Andrade, da Escola Tenente Rêgo Barros (Belém – Pará) em muito nos entristece por conta dos rumos que em geral o Brasil, e a Educação, em particular, estão a seguir. Fico muito triste com a desimportância (desculpem pelo neologismo) que uma corrente significativa e predominante do poder ora constituído vem dando às duas nobilíssimas profissões. Quedo-me ainda mais apreensivo com o futuro que se avizinha.

Tenho especial carinho pela Escola Rêgo Barros, vinculada à Força Aérea Brasileira, onde fiz carreira. Cabe ressaltar o altíssimo nível de ensino praticado pelo corpo docente dessa valorosa instituição, em cujos bancos por anos frequentaram minhas filhas. Uma delas, inclusive, seguindo a carreira do pai, hoje é oficial de controle de tráfego aéreo, servindo em unidade da Aeronáutica sediada no Rio de Janeiro. Outras três, não vislumbrando boas perspectivas no país, houveram por bem migrar para países estrangeiros, onde residem com sua respectiva família. Delas, somente uma permanece no Pará.
O pouco caso, e mesmo o descaso, que sofre o homem do campo e mais intensivamente o professor brasileiro reflete o absurdo dos absurdos para que tristemente caminhou nosso rico e pobre país. O primeiro, considerado um Zé Ninguém, veio perdendo terreno para o fazendeiro, agronegociante, o latifundiário, muito bem representados no Congresso Nacional; o segundo, além de tradicionalmente desvalorizado, é agora rebaixado à condição de inimigo em potencial da sociedade. Em pior escala se encontram os dedicados às cadeiras de História, Sociologia e Filosofia.

Temo muito pelo que virá — repito.
Mas vá em frente, meu amigo professor Cássio. A sua saúde deve vir antes de tudo. Siga com fé, camarada, fé na vida, fé no que virá. Em nome de Charlene, Cristiene, Aline, Fernanda e Jacqueline, cumprimento o nobre mestre, agradecido pelos conhecimentos ministrados.
Pobre da sociedade que não valoriza o professor!
L.s.N.S.J.C.!
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