…Continuação da postagem de 19ago2018
INICIAVA bem cedo para mim aquela longa e agitada jornada. Às cinco e meia da matina, em companhia de minha mãe e o velho Antônio Rodrigues, meu tio, encontrava-me na estação de passageiros do aeroporto, que naquele tempo era destacada da estação de voos comerciais. O avião da FAB, um Bandeirante administrativo estava lá no pátio estacionado, onde havia pernoitado. O mecânico de voo já o inspecionava, checando tudo o que era necessário para dar a aeronave como pronta para longa viagem a que se destinava, conforme ordem de missão, em procedimentos que mais tarde eu conheceria como pré-voo. O Bandera cruzaria o Brasil de norte a sul, sobrevoando seis Estados brasileiros, destino Rio de Janeiro, em minha primeira viagem aérea. Faria escala técnica em dois aeródromos: Carolina e Brasília.
O Garoto, tímido, ingênuo e simplório, estava por entrar num mundo estranho, diverso, distinto do que havia experimentado até então. Estaria preparado? Não. Dona Maria, porém, ficaria rezando pelo êxito do primogênito nas mais desafiantes questões e problemas que enfrentaria naqueles dois anos vindouros e também nos subsequentes.
Principiava o primeiro grande acontecimento da minha vida. Além de nascer e sobreviver, posso dizer, que ingressar na Aeronáutica em 1977, aos dezesseis anos, foi um fato extremamente marcante, um divisor de águas, uma grande experiência que durou trinta anos e cujos frutos colho até hoje. Todos os fatos seguintes, direta ou indiretamente, viriam em decorrência dessa vivência significativa na história do Garoto ingênuo, simples e pouco preparado intelectualmente, inocente de quase tudo, desprovido de qualquer maldade.
É de se supor, ao lerem estas linhas, que nutro uma relação dúbia, por vezes romântica e carinhosa, outras conflituosa e amarga com a instituição que me abriu as portas do mercado de trabalho, não me deixando desempregado um dia sequer. Realmente foi, como antecipei, uma relação tempestuosa, revezando altos e baixos, fases empolgantes e vitoriosas mescladas com períodos de dissabores e indiferenças. Os espinhos e pedras que me esperavam, que, aos trancos e barrancos, fui superando.
Foi assim em toda a minha vida. Os acontecimentos foram me arrastando, de forma que o Garoto nada calculava ou planejava sobre o futuro, nem próximo nem distante. Até então nada me ocorrera um momento sequer sobre a vida futura, o trabalho, família, nada disso.
Ia ao sabor do vento e da vida.
Um dia minha mãe, a dona Maria, caminhava pelo centro de Belém quando recebeu da mão de alguém um panfleto. A propaganda dizia assim:
“Jovem, este é o seu caminho! Estude por conta do governo.”
Era uma propaganda irresistível, mais ainda para filhos de família pobre, que era o meu caso.
Naquele tempo os filhos eram obedientes aos pais e se minha mãe mandava estudar e prestar concurso não havia o que discutir. Matriculado num curso preparatório, que funcionava no antigo colégio Ciências & Letras, passei a devorar as apostilas de Português, Matemática e Ciências, dentro das minhas limitações intelectuais. Além de mim, na minha rua havia mais dois jovens: o Alcemir e o Raimundo, que também prestaram concurso para a Escola de Especialista de Aeronáutica, uma instituição sobre cuja existência antes jamais meus ouvidos sequer haviam escudado.
Dos três era eu talvez o menos preparado porém o mais aplicado aos estudos. No entanto, o grau de dificuldade dos exames intelectuais não me davam tanta esperança. O ginásio da Escola de Educação Física estava cheio e eu ouvia dizerem que poucos, em torno de cinco e ou seis do Pará, logravam êxito. Por isso foi uma surpresa quando vi meu nome na lista dos convocados para o exame seguinte: o Psicoteste, famoso por reprovar tanta gente.
Nem ao menos desconfiei de que meus companheiros de concurso ficaram com ressentimentos ou inveja. Somente mais tarde fui saber.
Diziam que o teste se destinava a saber quem era louco ou se havia algum homossexual. Nada disso. Ocorre que as escolas militares chamavam sempre um número maior, de quinze a vinte por cento, de candidatos, todos em ordem de média de notas. Reprovados alguns e reunindo os quinhentos candidatos à matrícula, os demais com as menores médias seriam ignorados. Fiz os exames e a entrevista com o major Ênis, não sei se engenheiro, especialista ou aviador. Quando chegou a data, corri ao QG (era assim que chamávamos a sede do Primeiro Comando Aéreo Regional – I Comar) e, …
… para a minha decepção, meu nome não estava entre os dos dezesseis felizardos.
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