Capítulo 28, continuação da postagem anterior.
DIFERENTE de alguns colegas de especialidade, eu não sabia datilografar. Máquina de escrever para mim passou a ser naquelas primeiras aulas um ser assustador, um monstrengo a me desafiar. Dos vinte alunos da especialidade de escreventes uns quatro ou cinco, antes da Escola, foram cabos ou soldados datilógrafos, daí a máquina de escrever não significar para eles dificuldade alguma, ao contrário do que era para a maioria.
Como o mais difícil tínhamos vencido, não seria nenhuma Remington nem uma Olivetti que nos afastaria da tão sonhada insígnia de terceiro-sargento. Com luta, venceríamos. À medida que catava milho, olhava eu de soslaio ao colega de lado que este seguia desenvolto com às mãos sobre o teclado e os dedos céleres a teclar as letras, cada um encarregado de um grupo delas. O seu dono a olhar somente para a folha de papel com as letras e palavras a serem escritas. Essa era a orientação, de forma que a datilografia saísse rápida sem que o datilógrafo perdesse tempo olhando para o teclado da máquina e também para o próprio papel datilografado. Esse era o segredo da destreza do bom datilógrafo.
Iniciei inseguro. Aquele treco parecia mais difícil do que imaginava. Olhava para os outros e a maioria destes parecia não sentir tanta dificuldade. Fui insistindo, primeiro procurando memorizar os dedos e suas teclas: o mínimo da mão esquerda no “Q”, no “A”, no “Z”; o polegar da direita no “N”, no “J”, no “I”; a maior das teclas, a de espaço, ficava a cargo dos dedões. Procurava ser disciplinado, embora no início com alguma lentidão (muita lentidão, na verdade); isso era normal, segundo dizia o sargento que ministrava as aulas; depois, com o tempo, o aluno adquiriria a necessária destreza. Era o que eu esperava, foi o que eu fiz.
Outras instruções vieram também, todas teóricas, que seriam mais tarde complementadas com um pequeno estágio ali na Escola mesmo. O futuro sargento escrevente deveria estar apto a exercer todo tipo de funções administrativas, podendo ser secretaria, finanças, pessoal, rancho, estatística ou segurança e justiça.
Ao mesmo tempo corria a rotina da Escola. Ainda que não pensássemos nisso, envolvidos que estávamos pelas atividades teóricas e práticas especializadas e também pelas instruções militares, era questão de alguns meses apenas a formatura, o nosso objetivo. Claro, para nós sempre havia o risco de sermos desligados do curso – pequeno para uns, grande para alguns outros. A especialidade de eletrônica – que era conhecida pela estranha sigla de Q AT RA MR – era a mais perigosa, exigindo muito do aluno, e de onde, infelizmente, saíam vários alunos desligados. Um deles – eu bem me lembro – era o Rios. Foi desligado na terceira série, voltou novamente na próxima primeira série, quando a minha turma já estava na quarta. Rios não quis mais saber de eletrônica, preferindo sair bombeiro de aeroporto. “O importamente é sair daqui sargento”, dizia.
Mas o doutor Qwerty – que na verdade foi uma invenção brasileira – era, para mim, uma real ameaça; um obstáculo que se interpunha entre mim e aquelas insígnias, um grande obstáculo, mas não intransponível. Errava as letras e não tinha como apagar sem deixar vestígios. Cada erro era ponto descontado, resultando em nota baixa. “Ainda vão descobrir um meio da gente apagar o erro sem deixar marcas”, dizia eu. “Você é louco, isso é impossível”, respondia-me um colega. “Também diziam que era impossível alguém fabricar um objeto que voasse, e nós estamos aqui justamente por causa do avião”, tornava eu num argumento otimista irrefutável. Aos trancos e barrancos e a ajuda do sargento Coelho, eu e mais três colegas fomos vencendo aquelas teclas. Sargento Coelho: Deus coloca as pessoas certas no nosso caminho; também devo muito a esse sargento baixinho e cabeçudo, que, à véspera da prova final e decisiva, nos dera o texto a ser datilografado naquela ocasião. Nada de irregular, ninguém lesado, nem o sistema lesado; ao contrário, a permanência nossa na Escola significava economia àquela altura do campeonato.
Em breve terminaria o semestre. Fomos promovidos ao quarto semestre, última etapa do caminho.
Continua…
“O entusiasmo é o pão diário da juventude; a prudência, o vinho da velhice.” Pearl Buck
(BLOGUE do Valentim em 18nov.2011)
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